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quarta-feira, 16 de maio de 2007

Companhias


Sunset Over The Riviera - Karen Stene

Era uma noite do florescer da semana, um velho bar de antigamente, e a junção do mar e areia de Copacabana formavam um delicado quadro de fundo, tudo para emoldurar certa jovem mulher aos meus olhos.

 

Jamais tivemos oportunidade anterior de fazer isso, o de pacificamente sentar à mesa em plena beira do Atlântico, para prosa leve e desvelada, despreocupada por melhor dizer. Tudo tem sua primeira vez, até que pode repetir-se muitas vezes. Coisas que os amigos fazem, das melhores; os namorados, quando buscam o prazer da audição; mesmo os casais de ocasião. Todos, enfim. O Maestro Jobim declarou que só acreditaria em justiça quando todos pudessem morar em Ipanema. Em minha ousadia, complemento: justiça, apenas quando todos puderem saborear um garboso e pacífico chope em Copacabana, na orla, ao lado de predileta companhia. Mesmo que brevemente, vivi justiça.

 

Pensamento ao longe, alguns pressentimentos, mas nada que tirasse de mim a cativante presença da jovem mulher. Falava e contava de sua vida, de seu amor, de crenças e perspectivas. Por vezes, dissipava-se em sonora gargalhada; noutras, tomava ares de seriedade que, de alguma forma, não alinhavam-se com a expressão de seu olhar, nem da fisionomia – ambos, carregados de delicadeza e sem o ranço dos carrancudos, mais a beleza que já lhe é peculiar desde os tempos de Pedro Brito. Eu fitava as expressões, os textos e tudo fazia dali uma Copacabana de antigamente, talvez nem tão longe, mas claramente uma outra. Outros modos, outras histórias. Minutos e minutos correram feito loucos, de modo que as horas foram passando e nem havia como dar a devida conta. Eu também ri, eu também pensei e talvez tenha até falado mais do que devia, coisa que acomete os velhos de minha idade. Com os tempos, quase todos somos assim.

 

Era uma noite de luar exuberante, daquelas que Copacabana sempre faz por merecer. Descia calma, soberana, e provavelmente encantando os namorados pelos arredores.

 

A jovem mulher falava, cantava, contava histórias quase inacreditáveis e eu fazia vezes de silencioso expectador, ora esperando impactante novidade, ora contemplando os momentos agradáveis. Contava-me de certo alguém, decerto amor, e eu o senti certa ponta de inveja à distância, até um momento que, por força da narrativa, deixei de cobiçar o lugar. Não a companhia, naturalmente; desde muitos maios, não sabia de tão interessante mulher a contar causos, por mais tentativas que tenha praticado ao longo dos anos. São os tempos – e, neles, cabe um breve aprendizado sobre a importância da prosa, da conversa fiada e suave, do entretenimento com as palavras, que tantas vezes faz falta aos homens, às mulheres, e aos pares que se formam pelos mais variados motivos.

 

Eu tinha um compromisso. A companhia também. Poucos chopes, algumas iguarias, e despedimo-nos com o aroma do querer mais, imagino. As coisas passam rápido.

 

Despedi-me e deixei o bairro. Pelo caminho, encostado na janela do táxi, eu olhava as ruas, as calçadas, o ir e vir das pessoas e, subitamente, tudo pareceu-me ser como foi um dia. Uma outra vida, uma outra Copacabana, talvez aquela dos lanches no Cirandinha, mesmo no Bonino's; a Copacabana dos jogos de bola noturnos, sem iluminação, quando um ou outro chute desavisado atrapalhava os casais de namorados na faixa mais escura d'areia. Havia uma infinidade de Copacabanas: a das praças sem grandes, a das marquises sem moradores, a dos cinemas por todo canto. Tudo mundo, nada morreu. A memória eterniza.

 

Corrida rápida, cheguei em casa. Tempo de banho, preparar o último lanche, pensar no dia, na vida. Fim da jornada, meu telefone tocou e o texto causou-me um enorme dissabor: aconteceu uma decepção. Quem me falava do outro lado da linha sabia que ali, na frieza do telefone, seria a última prosa. Mal de amor.

 

Desliguei. Cogitei momentos de tristeza. Passaram ao longe. Quando eu lembrei do táxi, da velha Copacabana e da bela mulher que me encantou com sua outra prosa, tudo ficou menor.

 

Quando uma porta se abre para um caminho lamentável, importante é procurar outras, tantas, que ofereçam outros caminhos. Minha amiga Anne sempre fala dessas coisas, o de aumentar o leque, o estoque de probabilidades, tudo coisas dos profissionais da estatística.

 

Voltei ao amor partido. Perdeu valor, murchou.

 

Fiquei mesmo foi na dúvida se meu incômodo adveio do telefonema ou do fim rápido da conversa litorânea.

 

Vou voltar a Copacabana. Caso encerrado.



Texto de Paulo Roberto Andel

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