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terça-feira, 31 de julho de 2007

Para Bergman e Antonioni

Inevitável é a morte. Vívida num dia de sol, enluarada pelo negrume da noite vã, alvissareira numa tarde outonal, ela é sempre presente. Sabemos disso, é a sina. Contudo, certas gentes deveriam ser proibidas de morrer, bem disse um intelectual em certo livro de minha cabeceira. Dia desses mesmo, falei de minha maravilhosa mãe, que está presente em todas minhas vistas, mas inalcançável ao tato. Agora entendo a lógica de se chamar o homem de "pobre mortal". Vivos, estamos mortinhos quando nosso amor não está mais ao alcance das mãos, ou do corpo, conforme cada caso. Minha mãe deveria ser banida da morte. Meus amigos Magno e Xuru, idem. Tom Jobim, também. John Coltrane. Por que o Lennon não era à prova de balas? E onde estava o Superman, que não desviou os aviões do Osama ou segurou o da Tam? Tim?
 
Mal começou a semana, a última julina, com agostos à beira, dois homens seguiram a tempestade: Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni. Desde que a terra é terra, em poucas vezes uma semana começou tão derrotada. Foram embora dois gigantes da arte, cada um a seu modo, Bergman poucos anos mais novo que Antonioni, um dos ídolos do sueco.
 
Faziam cinema. Realizavam mágicas, essas coisas de se colocar uma visão duma historieta qualquer e fazer o ser humano pensar, pensar. Refletir. Sonhar.
 
Não foram poucas as gerações pelo mundo que deixaram-se impregnar pelo aroma magnético do cinema - e, se aquele mesmo mundo mudou um pouco para pior, é porque talvez tenhamos menos cinema nas veias do que deveríamos. Bergman e Antonioni eram sangue arterial, para alimentar corações e mentes. É certo que beiravam o centenário, mas... e daí? Niemeyer segue firme e forte desafiando convenções, homem de dois séculos. Poderiam ter ficado mais um pouco, o ítalo e o nórdico. De toda forma, alcançaram objetivos raros: viver da beleza e da poesia, construir o que realmente significaria uma obra, uma carta para a posteridade, muitas.
 
A perda é inevitável, não cabe constestação. Porém, um constrangimento fiel me vem à cabeça, como de algumas outras: a obra dos sujeitos fica, é permanente, mas sabemos que novas não virão. Quem fica no lugar deles?
 
Há quem diga que ninguém é insubstituível. Desconfio dessa frase. Creio ser mais apropriada qando ela refere-se aos humanos como números: um CPF, um título de eleitor, um transeunte, um paciente. Generalidades. No particular, não funciona.
 
Alguns personagens perdidos são lacunas eternas.
 
Como se repara o irreparável?
 
Eles faziam cinema.
 
Paulo-Roberto Andel, 31/07/2007

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Tímido Amor


Walking - Hye Seong Yoon
Lá vai ela caminhando para o Cícero. Saias pregueadas, rosto angelical e longas madeixas. Carrega consigo uma bolsa e a esperança de amores verdadeiros. Rosas bochechas e olhos agateados.

Lá vai ela. Trago minhas esperanças de um dia tê-la. Adentra pela entrada principal de forma frugal. Troca olhares charmosos. Sonhos em seus pensamentos.

Lá está ela, sentadinha e comportada nas primeiras cadeiras da classe. Atenta às aulas e aos garotos. Não percebe meu avistar, minha cobiça. Vejo-a lá detrás. Pouco distingo a não ser um pouco do perfil, estou enviesado.

Hora do recreio, fito-a mais uma vez. Ela não percebe, está entretida com sua coleguinhas. Sorridente, penso no que seria bom abraçá-la. Passa por mim e minhas mãos correm pelos seus cabelos. Distraída olha para trás, mas não percebe quem transmite o desejo.

Voltemos às aulas, fico à porta admirando a beleza daquela menina tímida. Mais acanhado, no entanto, sou eu que desvio o olhar quando ela me passa nos olhos.

Finda as lições sou dos primeiros a sair, mas engana-se que fujo para casa, fico na murada fingindo despreocupação só para não ter que me embaraçar com o mirar daquela guria à saída. Agora contemplo seu corpo, suas curvas e sinto o carinho infinito que tenho por ela.

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Sedução em Copacabana


Mermaid Beckons - George Willoughby Maynard
Vinda da beira-mar reluziu uma sereia de sorriso esfuziante para iluminar meu caminho. Era março e lembro daquela jovem a me encantar e com as mãos a me puxar para a felicidade.

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Tarde em Copacabana


Sunset on Beach - Byron Browne
Sol se pondo, avistaram a praia
Mãos dadas tal primeiro encontro
Linda, estampado de cambraia
Exir muitos anos num recontro

Decote, transformava a mulher
Nos olhos castanhos e sardas
De tempos, no peito se acolher
Andavam por jardas e jardas

Todos passavam, iam e vinham
E anoiteceu, mas abraçados
Não esmoreciam, mais queriam

Minutos, e mais reviçados
Arrastos, uniões comprimidas
Peles permaneciam cingidas

Aninha


Young Girl Plaiting Hair - Albert Bartholomé
Graciosa morena, o tempo não havia passado para aquela mulher. Ainda tinha um rosto de menina. Bochechas protuberantes, cabelos longos e lisos. Pele sedosa e bem cuidada. Um amor de pessoa. À minha frente sorria se divertindo com as bobagens, com a Coca-Cola e as comidinhas. Encantadora. Amiga para toda a vida. Serena, gentil e carinhosa. Uma querida! Seus olhos brilhavam de alegria. Agradeceu-me pela presença, mas não havia a menor necessidade. Já havia declarado o quanto gostava dela e o quanto ela representava como colega para mim. Tenho um profundo carinho e estima por ela. Sintonia. Fechado, mas não insensível. Gosto detectado desde o primeiro instante de reencontro. Amável. Adoro essa garota.

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Que saudades do futuro!


Imaginations and Objects of the Future - Salvador Dalí
Em cem anos estaremos todos nos locomovendo em trens para longas distâncias. Esse era o postulado da década de 40 do século XIX. Mas, poderia ser aplicado hoje, pois quem duvida que o aquecimento global – desenfreado de agora – não irá desencadear mudanças nos nossos costumes a partir de 2010?

Não existirão mais carros, usar-se-á um Maglev - o trem-bala japonês – teremos a nosso dispor esteiras rolantes tal como as de Las Vegas, do Metrô de Copacabana, ou como as do desenho animado Jetsons. Aliás, Joseph Barbera, falecido recentemente, sem dúvida foi futurologista, previu, junto com Alvin Toffler, Isaac Asimov, Stanley Kubrick, Júlio Verne, entre tantos outros, muitas nuances da vida várias décadas antes. Sua arte de antever cenários do futuro está muito além do que qualquer um podia imaginar quando do lançamento da animação em 1962. Sem dúvida, bastante gente deve se lembrar das teleconferências entre o George Jetson e seu chefe, o sr. Spacely? E do microondas? O cruel é lembrar que não apareciam árvores, terras ou mares em nenhum dos 24 episódios da série finalizada em 63. Será tão implacável assim o destino da humanidade?

Lá pelos idos de 1840 a Inglaterra já possuía um imenso emaranhado de linhas férreas, já eram 4500 quilômetros. E o Brasil ainda engatinhava com míseros 14,5 km, 14 anos depois. E esse pouco se iniciou por conta de um utopista, o então Visconde de Mauá, idealizador da primeira estrada de ferro, construída em 1854 que ligava o porto a Fragoso – serra de Petrópolis. E só muito depois, então veio a tão festejada Madeira-Mamoré. Quem dera não se tivesse seguido esta trilha, mas perdeu-se o “trem” da história. Linhas difusas, bitolas diversas e falta de vontade política engataram de vez um futuro sombrio para os transportes de massa e de produtos.

O curioso nisso tudo é que as previsões, outrora otimistas, quanto ao que aconteceria décadas mais tarde ia por um caminho bem mais modesto, mas menos assombroso. Hoje, o que se vê é que uma evolução mais controlada e menos avançada poderia trazer muito mais benefícios do que as que temos atualmente. E melhor sem efeitos colaterais. Ou alguém ainda duvida que as catástrofes naturais não sejam reações a um crescimento desmedido e sem planejamento. E a AIDS, não seria ela fruto de experiências em engenharia genética ou assemelhadas? Qual é ou será o efeito colateral da Internet? E dos transgênicos? Estará o homem se perdendo em meio a sua ganância? Culpa do capitalismo desenfreado? Da globalização? Sabe-se sim que aquele futuro dos livros de Júlio Verne, era muito mais romântico, atrasado, mas com certeza seria melhor para a humanidade.

Que saudades do futuro! Do futuro que se imaginava na década de 80.

Nostalgia do que ainda poderia vir.

terça-feira, 10 de julho de 2007

Cracks da pelota


Football - Arsen Savadov

Duas voltas e meia, surpreendo-me com a velocidade dos tempos, da vida.

 

Outro dia mesmo, eu lembro de ter vivido o dia mais silencioso de toda a minha vida. Tinha quatorze anos, era um menino.

 

Cinco de julho de oitenta e dois, assim me permitam. O fatídico dia em que o Brasil, pátria de chuteiras em campo, perdeu para a garbosa seleção italiana. Falecido estádio Sarriá.

 

Algumas coisas devem ser levadas em consideração sobre aquele capítulo peculiar da história futebolística mundial. Primeira delas, a mais fácil – embora nós, brasileiros, com algum sentimento de "superioridade" para compensarmos as mágoas de um país que não deu certo, não tenhamos tanta facilidade em ver: a Itália, naquele dia, foi melhor e ponto. Talvez jogasse contra o Brasil seiscentas vezes e perdesse quase todas, exceto a daquele dia. Difícil encarar, mas os ítalos mereceram.

 

Segunda, bobagem dizer que "venceu o futebol-força". Naturalmente, a seleção brasileira vinha de um momento encantador, jogou dois anos e perdeu apenas três vezes. Nós tínhamos um timaço, sim. Porém... Zoff, Scirea, Cabrini, Tardelli, Antognioni, Conti, Altobelli e Rossi eram excelentes jogadores também. Nosso conjunto era mais bonito, só que eles também tinham talento, embora bagunçado até então. Foi a única vez em que a seleção de Telê tomou três gols – na verdade, quatro, dado que Mister Abraham Klein, o árbitro, descontou mais um da Itália no finzinho do jogo.

 

Terceira, a terrível má interpretação que se criou pelo fato de que, se o "bonito" perdeu, que se louvasse o "feio". Graças a esse erro patético, criou-se o assustador termo de "volantes de contenção" – tudo para esconder verdadeiros assassinos da bola, priorizando-os em vez dos verdadeiros jogadores de futebol, os que sabiam da pelota, os craques. Meu time de botão daqueles tempos tinha o Falcão de volante, e bastava.

 

De lá pra cá, foi terra que girou.

 

Acabaram com a União Soviética, o Muro de Berlin, uma considerável parte do Brasil, não deixaram nada no Iraq.

 

Matou-se e morreu por muito pouco, quase nada.

 

Hoje, brasileiros que somos, temos celulares, comunicação, internet, desenvolvimento. Porém, assim como era o bife nos anos cinqüenta ou o carro nos anos vinte, para poucos. Para quem tem dúvida, basta abrir a janela do carro.

 

Chegamos até a ganhar Copa do Mundo outra vez, uma quase feia, outra quase bonita. Nada que chegue aos pés de México 70. Nem ouso falar de Chile e Suécia.

 

Aquele bendito jogo teve sua mágica, o do Sarriá.

 

Até hoje, pelos campos da vida, eu fico procurando destroços daquele dia, como um passe, um drible, uma jogada, um corta-luz como esse que o Dodô fez outro dia, antes dos homens da lei o embargarem, o tal do doping. Se Sarriá fosse um desastre aéreo, estaria eu pelas matas do futebol a tentar resgatar um relógio, um pedaço de papel, qualquer coisa que significasse vida naquela maravilhosa e curta trajetória.

 

De vez em quando, acho. É difícil, mas acha-se.

 

Nem precisa ser nas vitórias do meu amado Fluminense. Não temos mais os times de antes, nem teremos: os empresários e cartolas dilapidam tudo em questão de meses, ou semanas. Qualquer dez míseros bons minutos de uma partida valem.

 

Naqueles tempos de Rossi, eu fazia oitava série. Por semanas, é claro que o assunto da velha escola tratava do velório nacional. Velório do futebol? Nem tanto. Fizeram – e fazem - de tudo para enterrá-lo, com autoritarismos, golpes, bajulações, desvios. Não adianta.

 

Chegava em casa, certo muxoxo, minha querida mãe falava pra ir jogar botão, bola, aquilo tudo passava. Passa rápido.

 

Vinte e cinco anos depois, tem jogo hoje contra os uruguaios. Essa marca vem de cinqüenta e sete anos, do gol de Gigghia, faltava muito ainda para eu nascer. Contudo, sei da força daquela história – um ano antes do Sarriá, perdemos o Mundialito em Montevideo, e vi muita gente de cabeça baixa na segunda-feira seguinte.

 

Agora, Copacabana deserta, sem gente, sem carro na rua, só no dia do 3 x 2.

 

Tenho saudades da escola.

 

Tenho saudades da minha mãe.

 

E muita saudade daquela derrota, porque nos dias seguintes, tudo o que eu e os outros garotos pensávamos era que a Copa seguinte seria nossa, aquele futebol era indestrutível.

 

Os tecnocratas de plantão impuseram por decreto a regra do futebol-força. Independentemente de qualquer resultado hoje ou amanhã, Robinho e Riquelme, por exemplo, estão acima disso.

 

Se for o caso, melhor perder a Copa América jogando mal do que vencê-la. Os louros da vitória às vezes enganam. Dunga, o treinador, diz que os que jogam bonito podem ficar vinte e quatro anos sem vencer uma Copa do Mundo.

 

Os bons italianos, de 1982 até 2006, também esperaram os mesmos vinte e quatro anos. E não convenceram.

Texto de Paulo Roberto Andel